Quem não passa por esse tipo de situação não percebe o quanto a pessoa sofre para poder sair dele, e o quanto ela luta diariamente para esquecer ele. A superação vem juntamente com a esperança em um determinado momento, mas... É como uma ferida, na qual se cicatriza porém, a marca nunca desaparece. 

Falar sobre relacionamento abusivo, não é apenas tratar de violência física, mas também psicológica! 

Falar sobre isso não nos livra apenas de um feminicídio, entretanto, previne muitas mulheres de terem depressão e até cometerem suicídio.

Essa página do FemHelp é um lugar onde não vamos retratar o que houve, mas sim, o que isso trouxe de efeito para dentro de cada uma. Lembre-se, juntas somos fortes e não devemos nos derrubar por nada mesmo que isso seja nosso subconsciente.

Clarisse

Legião Urbana

Estou cansado de ser
Vilipendiado, incompreendido e descartado
Quem diz que me entende nunca quis saber
Aquele menino foi internado numa clínica
Dizem que por falta de atenção dos amigos
Das lembranças, dos sonhos
Que se configuram tristes e inertes
Como uma ampulheta imóvel
Não se mexe, não se move, não trabalha
E Clarisse está trancada no banheiro
E faz marcas no seu corpo
Com o seu pequeno canivete
Deitada no canto, seus tornozelos sangram
E a dor é menor do que parece
Quando ela se corta, ela se esquece
Que é impossível ter da vida calma e força
Viver em dor, o que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer
Uma de suas amigas já se foi
Quando mais uma ocorrência policial
Ninguém me entende, não me olhe assim
Com este semblante de bom samaritano
Cumprindo o seu dever como se eu fosse doente
Como se toda essa dor
Fosse diferente, ou inexistente
Nada existe pra mim, não tente
Você não sabe e não entende
E quando os antidepressivos
E os calmantes não fazem mais efeito 

Clarisse sabe que a loucura está presente
E sente a essência estranha do que é a morte
Mas esse vazio ela conhece muito bem
De quando em quando é um novo tratamento
Mas o mundo continua sempre o mesmo
O medo de voltar pra casa à noite
Os homens que se esfregam nojentos
No caminho de ida e volta da escola
A falta de esperança e o tormento
De saber que nada é justo e pouco é certo
De que estamos destruindo o futuro
E que a maldade anda sempre aqui por perto
A violência e a injustiça que existe
Contra todas as meninas e mulheres
Um mundo onde a verdade é o avesso
E a alegria já não tem mais endereço
Clarisse está trancada no seu quarto
Com seus discos e seus livros, seu cansaço
Eu sou um pássaro, me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro, me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo resistir
E vou voar pelo caminho mais bonito
Clarisse só tem quatorze anos.

Hoje em dia...

Relato de uma das curtidoras da plataforma

Eu nunca sei quando as coisas começam a sair do controle, só me dou conta quando meus pensamentos saem de órbita e ficam explorando lugares na qual eu nunca dei permissão que estivessem lá. Não, não se trata de mim. Na maior parte do tempo tudo foi tão bom, me fez tão bem, mas quando as coisas escaparam por entre nossos dedos, o céu se tornou o inferno. O inferno dentro de mim, a escuridão que carrego comigo e a dor que também se faz presente. Eu sinto as pontas das letras das palavras que eu não disse cortando minha garganta e me fazendo sangrar. Mas não, não se trata de mim. E é essa culpa que carrego comigo, é quando deito no travesseiro e fico elaborando frases do que poderia ter dito e eu espero que haja alguma maneira de voltar no tempo para que eu cuspa como o dragão cospe fogo, tudo aquilo que um dia não disse. Minha mente se tornou um papel amassado, com frases escritas de lápis e que agora se transformaram em borrões ilegíveis. Eu não consigo sair desse labirinto e tudo isso é porque sempre se trata de você, e não de mim. Não, não quero toda atenção, mas eu quero que veja o quanto eu estou mal. Eu saí disso, mas isso não saiu de mim e está impregnado. Por mais que eu esfregue durante o banho, por mais que eu rasgue minha pele pra tirar tudo o que se liga a você, ainda está lá. E eu sinto. Nao de forma boa, mas sinto toda aquela sujeira. Sinto da maneira que você quis que eu me sentisse. Mas não se trata de mim, porque não sei mais quem sou. É como querer ter identidade, mas sequer saber o próprio nome. O corpo é tão importante, que o que há dentro de alguém não tem mais o devido valor. E de fato, você despiu meu corpo, minha alma e o meus medos, dizendo que estava tudo sob controle. De fato, estava sob seu controle e eu não me dei conta. Quando você disse pra que eu deixasse o passado pra trás, eu pensei que era porque o futuro seria melhor. Mas não, não foi. E as vezes penso que isso é consequência da minha atitude. Mas que maldita atitude faz com que pense que você pode mandar em mim e fazer com que eu esqueça quem eu sou? Não foi por mim que você se apaixonou? Então por que diabos você quis que eu fosse sua visão de mim? É isso que eu me pergunto quando penso em tudo. Sempre dizia que quem me fez de boba era porque não me merecia. Oh céus, você fez pior. Não há um dia em que eu não me olhe no espelho e me sinta merecedora de alguma coisa. Você pisou em tudo, em mim e até em sentimentos que eu não sabia que existiam. Você me teve nua em todos os aspectos. Eu me sentia vulnerável, mas você dizia que estava tudo bem. Maldição, não estava. Era assim que você me queria, nua, pra poder me moldar. Eu não sei quem eu sou, ou se um dia vou me encontrar de novo. Só sei que não sou seu fantoche, boneco sexual ou alguém pra inflar seu ego. Não. Isso jamais. Mas como disse, isso não se trata de mim. 



Está tudo bem?

Relato de uma das curtidoras da plataforma

É como dar um caderno em branco para alguém escrever uma nova história. Alguém cujo o cérebro já não funciona como antes, as ideias já não fluem da mesma forma. Eu me sinto como se estivesse segurando a melhor caneta, apoiada sobre o melhor papel, que se mantém na escrivaninha mais bonita. Antes de começar uma nova história é preciso esquecer ideias antigas e focar em outra nova.A parte mais difícil é deixar de lado as ideias antigas, as histórias antigas. Eu preciso desse tempo, porque sinto como se estivesse assistindo algum corpo se decompor. E esse corpo é meu. Estou vendo minha própria morte, alguém me esfaqueando e essa pessoa que segura a faca sou eu mesma. Me mato cada vez que evito esquecer as antigas histórias, é a minha história. E ela depende de mim. E quando eu repito que tudo está bem, é pra que eu acredite, mesmo sabendo que tá tudo caindo. Eu tô caindo e quem pode me ajudar não é ninguém além de mim.E evito me encontrar comigo mesma porque sei que tem coisas que eu não quero encontrar, coisas que tenho medo, coisas que causaram uma ferida enorme e se escolhi manter lá é porque não quero ser atormentada. Mas esse momento chegou, meu momento chegou. E é impossível criar um novo imprevisto, um novo drama, uma nova vida porque eu estou presa naquilo que me recuso a esquecer. Mas não se trata de excluir tudo o que já houve, é saber que isso vai me ajudar a criar um rumo diferente. É aprender a lidar com essa merda.Um vaso quebrado, impossível de ser reconstituído, é assim que me vejo. Uma visão limitada de quem pretendia ter uma vida inteira pela frente. E é frustrante não conseguir ver um futuro na qual eu seja feliz, não com alguém, mas comigo mesma.É tudo aprendizado, eu sei. Porém, eu estou quebrada, precisando me conectar comigo mesma, mas estou com medo. Por mais que seja seguro, por mais que meu eu interior esteja me chamando, implorando pra que eu vá lá. Pela primeira vez, digo com convicção que não consigo. Porque não consigo me entregar pra mais ninguém, por mais que esse alguém seja eu. Me recuso a parecer fraca, dramática ou seja lá qual palavra vá definir o fato de que preciso sentar e chorar feito um bebê que acabou de sair do útero. E esse mesmo bebe ser consolado pela mãe, que é todo o sentimento bom que há em mim. Que eu sei que existe algum. Só então, eu estarei bem. Nunca passei por isso antes, porque estou acostumada a simplesmente ignorar tudo o que me incomoda ou pelo menos fingir que não está ali. E agora, preciso fazer a limpa nessa bagunça toda. Parece que estou estendendo a mão para colocar no fogo.Mas pra que colocar a mão no fogo, se posso caminhar pra dentro dele? Porra, que eu me queime e vire cinzas tudo isso. Toda essa merda que impede que eu crie a minha nova história. 

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